domingo, 31 de maio de 2009

Clariciana IV


Fora buscar suas raízes outrora esquecidas em algum canto daquela velha cidade. Partículas espalhadas ao vento. O trabalho seria exaustivo, mas mãos à obra. Pra começo de conversa, limpar a velha poeira, sacudí-la, enxotá-la. Para fora da alma e do corpo a velha roupa esgarçada que não servia-lhe mais. Desde as palavras engolidas a força deglutidas sem querer até os pensamentos nebulosos que ardiam na mente. Poderia quem sabe passear, revisitar lugares importantes em sua vida, pedaços do quebra-cabeças, que, sem lógica hoje, havia sido montado meticulosamente no passado. E o que é passado, lá deve ficar. Aceitou que era um ser extremamente ansioso. Aceitar esse fato feria-lhe porque abria o contato com sua fragilidade emocional. Aceitar certas fraquezas fazia parte do processo que resolvera encarar. Fugir só aumentava a dor, devia lembrar-se. E havia ainda o paradoxo: quanto mais esperasse menos deveria esperar. E isso era bom. Bom também o cheiro do primeiro lugar que resolveu visitar. Deveria ter ido só, mas ainda havia a insegurança. As pessoas que fizeram-lhe companhia eram muito importantes. Caminhou horas, cabelo ao vento, rosto ao sol. Deixou que as lágrimas caíssem para que não tivessem mais que retornar. Não por esse motivo. Quando a chuva chegou deixou-se imergir. Como o contato era básico! Como não havia percebido ainda a importância de todos aqueles mínimos detalhes já esquecidos! A vida lhe impusera tanto resgate e tal fato trouxera tantos obstáculos mas a tempo percebera que o muro, como tantos outros poderia ser derrubado. Ansiava por vê-lo desmoronar. Percebia que a cada investida, a cada redescoberta, a vida voltava a pulsar em suas veias. De longe, pessoas observavam a leveza daquele ser que buscava a libertação. De longe, pessoas torciam por sua própria libertação. De longe, ela observava e seus olhos lacrimejavam e pediam por todos que precisavam voar. Já era noite quando a paz invadiu seu peito e pôde repousar seu corpo cansado na face clara da lua. Chorou em paz.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Clariciana III


E então como seria agora? O que faria a partir do momento da tomada de consciência? Havia momentos em que essa solidão buscada feria-lhe o peito, era como uma fisgada na alma. Escolhera para si um mundo a parte para livrar-se de todas as suas dores. O muro em torno de si era enorme e impenetrável. Qual tamanha foi a surpresa ao descobrir que ela também estava do lado de fora. Seus sentimentos bordados e engomados para servir-lhe melhor agora estavam descortinando-se e ela tentava desesperadamente desvencilhar-se deles. Sentia urgência em agir diferente, agir como deveria sempre ter sido. Perdera o contato com muitas pessoas que amava criando sua redoma. Redoma frágil e carente. Redoma facilmente desmoronável porque na ânsia de proteger-se esquecera de fortalecer os alicerces. Negar seus verdadeiros sentimentos para proteger-se, ao contrário do que esperava, acabou fazendo com que ela afastasse do que era. E agora perdia-se dentro de si afastada de seus verdadeiros valores. Ainda havia valores? Quais seriam os introjetados a partir de uma projeção? Precisava separá-los, separar o joio do trigo. Tudo isso atortoava-lhe profundamente. Pensou então que haveria de descobrir um modo que fizesse uni-la a sua criança interior, aquela que fizera adormecer quando sentiu-se adulta. Sim, sentia que ela estava lá esperando por si de braços abertos. Perdoar-se por seus erros talvez ajudasse nessa empreitada. Era a culpa o que lhe mobilizava e era dessa culpa que deveria livrar-se em primeiro lugar. Sempre teimosa fazia questão de escolher caminhos tortuosos. Não queria e não podia ouvir conselhos porque era a dona da verdade, da sua verdade fantasiosa. Sempre seguia pela estrada que a experiência alheia advertia-lhe de ser errada. Queria ver para crer e assim experienciava o caminho da dor. Deveria entregar-se ao que realmente era. Seguir seus instintos, sempre que ignorava-os tudo acabava muito mal. Mas a recusa estava ali agora diante de si e essa recusa causava-lhe repulsa. Curioso como as vezes tinha clareza e a lucidez diante do óbvio trancado a sete chaves no seu inconsciente. Tudo aquilo que construira para livrar-se da dor voltava agora para cobrar-lhe seus falsos e inúteis investimentos. Estava em uma fase de sua vida em que era encarar ou morrer sendo o que não é e isso causava-lhe náusea e vertigens. O peito apertado zombava das largas vestes que tentavam afrouxar-lhe o mal-estar. Tudo o que acontecia, noite e dia, vinham lembrar-lhe de que esta era a hora de virar a mesa. Não havia mais como adiar diante do constatado. E assim longos suspiros e pensamentos preparavam seu retorno.

domingo, 24 de maio de 2009

Claricianas galbeanas

Pouco antes do horizonte belo se assombrar desceu do céu uma aveanjo , iluminou minha almalama e disse: Luska Klestakov, você foi Julietalice mas no fundo, no fundo é Clarice.
Dedico essas maltraçadas linhas, uma pretensão de crônica que arrasta-se agora indefinidamente e que devo publicá-las quando não mais quiser calar-me... dedico à minha amada ( sempre amada) Regis Isapovitch. Claricina e Clariceana desde sempre.
(Ichi, agora mais Galbeanas que nunca. rs)

Clariciana II


Despiu-se e foi para a vida. Lêdo engano pensar que era especial, que era diferente. Sua alma de mulher enganava-lhe e era como se precisasse disso para seguir e então mentia para si mesma e essa era a pior mentira que já contara. Vivia cada dia como se fosse o último, dormir era perda de tempo, do tempo precioso que a levava para dentro de si. Os dias emendavam-se às noites e o espelho lhe mostrava fundas olheiras. Seu rosto já marcado pelo peso dos dias intermináveis, das noites insones, lhe era estranho muitas vezes. A vida enchia-se de sentido mas o corpo cobrava a alma. O que fazer desse dilema onde a resposta à charada era clara e ao mesmo tempo obscura? Devaneava sonhando sóis em meio ao gelo da neve que carregava dentro de si. Chorava e gargalhava diante de cada nova descoberta. O mundo parecia-lhe agora maior e sentia-se à sua altura quando conseguia entrar em contato. Temia o fim da tênue camada que muitas vezes se rompia. Era um mundo externo onde derramava seu pranto interno, seu pranto eterno. As luzes da cidade já não clareavam mais que a tocha que carregava dentro de si. Já poderia sentir sem precisar fugir. Já poderia crescer sem precisar partir-se. Já poderia dormir sem precisar iludir-se. Já poderia partir sem precisar ferir-se. Parecia-lhe que entrava para dentro de si descortinando um mar de possibilidades mas as escolhas já não lhe assustavam tanto quanto antes. Sentia orgulho de ser quem era e sentia ainda que era necessário doar-se sempre. Descobrira que perdera tempo demais tentando explicar que não precisava explicar nada pra ninguém. Perdera tempo moldando as máscaras que supostamente fariam com que fosse aprovada, amada, aceita. Perdera dias, meses, anos tentando ser igual. Não era. Nunca haveria de ser. Esse mundo não era dela, ela não habitava mas apenas habituava-se. Cansada de tanta volta para chegar ao mesmo lugar de sempre, muitas vezes estagnava-se. Mas tudo isso era passado pois a vida lá fora agora era vasta demais e não cabia dentro de si. Despiu-se e foi para a vida, a verdadeira vida.

sábado, 23 de maio de 2009

Clariciana I


Lá fora habitava a paz inventada, a paz dimensionada em outro ser. Tolices de uma mente utópica. Sempre quisera buscar fora o que tinha como lar o coração. Mais cômodo não? Ou seria porque foi treinada para possuir? Dúvidas subitamente povoavam seu ser, um ser fadigado de batalhas contra si. Sentia a inconstância vivida por querer sempre o que dela não dependia. Como era tortuoso e longíquo o caminho escolhido para fugir da dor de ter que crescer só. Se soubesse desde cedo que sempre que fugia ou ludibriava a dor ela novamente a esperaria na próxima esquina, descansaria em vez de debater-se em vão. Se soubesse desde cedo que a vida é feita para ser trilhada dentro de si, certamente teria muito mais a oferecer. Sua impressão inicial acerca do propósito da vida deveria acompanhá-la desde que pôde ser compreendida e no entanto quebrou a promessa que fizera a si mesma quando pura. A suposta maturidade juvenil e adulta passaram-lhe a perna. O deslumbramento de ser dona do próprio nariz roubou-lhe a inocência. Agora, teria que desdobrar-se se quisesse retornar ao ponto crucial onde perdeu-se de si. A descoberta banhava-lhe ora de esperança, ora do desespero pelo tempo perdido. Banhava-lhe de suor e lágrimas. Inundava-lhe de um sentimento de que se conseguisse respeitar seus instintos e, ao mesmo tempo domá-los teria o mundo. Ah, mas ardia-lhe na pele e nos órgãos uma dor incomensurável, a conhecida dor que muitas vezes impedia-lhe de mover-se, sabia que sem superá-la seu destino seria nadar e morrer na praia. Mas como desvencilhar-se de um passado recente e retornar àquele que sempre foi e será o ideal? Como despir-se de uma capa que já lhe moldava a alma? Como retirar a máscara imposta e aceita? Como mergulhar novamente no propósito original? Já não dormia mas descobrira que precisava do sono, mestre do repouso e da comunhão de sua alma com o Pai. Sua alma sempre soube o que deveria fazer mas tecera para si a armadilha dos maus hábitos. Então passara a boicotar sua paz interior. Agora pedia licença para dormir horas e dias, para dormir o sono de quem desperta para dentro de si. Enfim.

sábado, 9 de maio de 2009

Mamãe


Minha mãe é mãe.
A verdadeira mãe é aquela que diz um milhão de vezes que não vai mais fazer nada por você, tamanha sua decepção mas em seguida faz algo tão grande e nobre do qual você nem sabia que precisava.
Minha mãe é mãe.
Minha mãe me ensina tudo o que sei e devo saber. Minha mãe me ensina o que não se deve fazer para evitar o sofrimento, mesmo sabendo que teimo em não ouvi-la.
Minha mãe é mãe minha e do resto do mundo, seu instinto maternal é pleno.
Minha mãe é mãe e mulher, é profissional e dona de casa, é ainda irmã e companheira.
Minha mãe é toda cuidados.
Minha mãe carrega dentro de si a sabedoria e ao mesmo tempo a dúvida.
Minha mãe é sábia mas é pura.
Minha mãe lava a minha alma, tá lá sempre que preciso. Minha mãe me ensina a ser gente, me ensina a amar. Me ensina a amar porque seu amor é incondicional.
Minha mãe é minha, é dos meus irmãos e sobretudo é do meu filho. E é também de seus irmãos, dos seus sobrinhos e de seus amigos.
Minha mãe foi e sempre será mãe de sua mãe.
Minha mãe é mãe de quem precise.
Minha mãe enche meu coração de ternura. Minha mãe é toda sacrifício, renúncia e beleza.
Minha mãe, com seu olhar desnuda-me a alma e provoca o milagre da felicidade de ser compreendida sem que eu precise dizer uma palavra sequer.
Minha mãe vela meu sono desde que nasci. Minha mãe velará meu sono em outras moradas também.
Minha mãe é abrigo e nunca cansaço.
Minha mãe é tudo que uma verdadeira mãe deve ser.
Minha mãe é mãe.
Minha mãe é a Júlia.