domingo, 10 de fevereiro de 2008

A gata borralheira


O dia amanhecia e Pedro não havia dormido ainda...a noite em claro lhe imprimira uma olheira incomensurável...olhou-se no espelho e não ousou nem sequer fazer a barba...Vismundo lhe dera uma lambida na perna esboçando um bom dia mas ele não notara.Toca o telefone justamente na hora em que ia sair, coisas da Lei de Murphy...“Alô?”Silêncio.“Alô!”Silêncio...“Ligou só pra ouvir minha voz? Otário!...”Desligou.Pedro não suportava isso, coisa de adolescente, coisa que não eram mais. Pedro sabia que quem ligara era Marília, a sua Marília que o abandonara a exatamente três anos, dez meses e sete dias...sabia também que o remorso lhe coroava os dias. Mesmo assim não tinha coragem de lhe dizer o que sentia...Bateu a porta com força e entrou no carro. O trânsito o enlouquecia ainda mais, preferia realmente o trânsito de saturno...Chegando ao trabalho Pedro desanimava cada vez mais.Não conseguiu trabalhar naquele dia... cheio de projetos com data para entrega, tinha que dar a volta por cima e conseguir.Mas Pedro ainda confuso pela falta de descanso rodopiava os pensamentos em Marília, essa mulher que lhe roubara a vida e a alegria de viver.Marília chegara como quem chega do céu... devagarzinho e flutuante. Passaram vinte anos de suas vidas juntos, ora isso não era vinte dias. Acostumara com seu jeito, seu cheiro, sua forma de dormir abraçada a ele sufocando-o como se ele fosse fugir...Marília era dessas mulheres que estavam sempre perguntando se estava tudo bem... cuidava da casa e de seu homem...não podia ter filhos mas isso era um detalhe...tanta criança precisando de pais...Muitas vezes, quando Pedro voltava do bar pra onde sempre ia depois do trabalho com colegas que saiam à caça, ela o esperava com seu jantar e um sorriso no rosto... perguntava se ele estava com algum problema e por isso andava bebendo tanto...muitas vezes fingiu não sentir o perfume barato que impregnavam suas roupas...Não entendia como aquela cabeça funcionava mas seus amigos já diziam que mulher gosta mesmo é de apanhar...então, normal...Assim os anos seguiam mas Marília já ficava cansada daquilo.Um dia, sem drama, sem tempestade ela simplesmente passara na sua frente com a roupa do corpo e saíra.. .telefonou meses depois dizendo que estava bem e tentando ser feliz...mas como? Ela não era feliz? Ele pagava as contas, dava duro na agência pra bancar tudo que precisassem... sem seu salário gordo Marília não sobreviveria pois ganhava muito menos que ele...e assim a mantinha em cárcere privado para que fizesse sua parte e a dele também.Mas Marília era uma mulher jovem, bonita e amável... e isso encantava quem não a possuía...e a fazia pensar pois do contrário do que Pedro pensava ela não estava feliz com aquela situação.Simplesmente mentia para os amigos quando perguntavam por ela... ”Está viajando, passando uns dias com a mãe, que não desgruda dela”...Manter a pose era essencial, Pedro era um homem forte e bem resolvido.Só não contava que um dia a gata borralheira se transformaria em Cinderela, e isso o deixara fora do prumo...Os anos sem Marília lhe fizeram enxergar o valor que ela tinha... mas era tarde demais...só não entendia porque ela ligava e ficava calada...sabia que era ela pois com o tempo aprendeu a reconhecer sua respiração ofegante.Entretanto Pedro já estava confuso...andava sendo assediado por vagabundas que só queriam seu dinheiro.Envolto em seus pensamentos Pedro não produzia a tempo, seu chefe já lhe dera o intimato...Mas Marília estava muito além dessas pequenices mundanas... com seu jeito cativante logo aprendeu a se virar sem Pedro. Por isso mesmo sua preocupação com o bem estar daquele que lhe fizera muito mal ainda persistia. Já o perdoara mas ainda havia algo a ser reparado.Algum tempo depois Pedro apareceu novamente com Marília perante a sociedade...mas aquele homem gentil e apaixonado era mesmo Pedro?

Abril, 2007

Um comentário:

  1. Que bacana, Lú! Mulher de mil faces...rsss
    Pois é...quantas Marílias deve haver por aí???
    Beijoos. Adorei!!!

    15 de Abril de 2007 19:32

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