sábado, 20 de junho de 2009

Clariciana VII


Primeiro haveria de entrar em contato com seus sentimentos outrora resguardados de si. Pensando na busca desenfreada para amenizar o sofrimento ( ainda pensava) notara que tivera que assassinar certos sentimentos que a faziam sentir-se rejeitada. O que concluíra não era lá grande coisa, além de deixá-la assustada. Concluíra que na verdade tais sentimentos não foram mortos mas sim adormecidos. E o sentimento mais forte era o da raiva. Raiva de pessoas que demonstraram indiferença para com ela. Raiva de pessoas que não acreditaram em seu potencial. Raiva de pessoas que a magoaram profundamente. As cicatrizes eram provas de que os sentimentos existiram. Não queria revirar velhos sentimentos embotados, mas aprendeu que só assim poderia livrar-se deles e enfim viver o momento presente. Sabia que além de não ser fácil isso iria modificar toda sua condição de ser o que havia ditado para si. Resolveu então que de agora em diante não haveria mais de guardar para si o que a incomodava. Não queria se acomodar com o que incomoda. Não mais. E percebeu que deveria sentir o que sentia e que não haveria de esconder seus sentimentos. Nem precisava mais voltar ao que passou, mas de agora em diante deveria resolver com quem a importunava. Deveria resolver com o que a importunava. Chega de noites insones tentando justificar suas falhas e as de quem a magoava. Entendeu que deveria gritar diante de qualquer porcaria que a obrigassem a engolir. Entendeu que essa deglutição obrigada revirava-lhe o estômago. Entendeu que a paz desejada só retornaria se fosse sincera consigo mesma, com seus verdadeiros sentimentos. Descobrira que a raiva é um poderoso sentimento que só escoa-se se for canalizado para fora de si e para que ela não se exprimisse intelectualmente foi preciso muita energia e isso afastou de si os fatos e eventos reais. Sempre camuflava o verdadeiro, o real. Geralmente até esquecia-se do motivo que a fizera ficar magoada e geralmente descontava sua raiva em quem estivesse mais perto. A triste constatação de que a experiência não gratificante foi engolida não parava por aí, ela vinha acompanhada da certeza de que não queria assumir a responsabilidade de ferir a pessoa que a machucou pois isso faria com que tivesse que lidar com a possível rejeição. Com isso foi confinando-se em sua esfera intelectual, em sua redoma mortífera. Sua raiva parecia-se com a de uma criança que quer revidar o soco, mas não sabe como. Esse sentimento então voltou-se contra si mesma. Além de tudo tinha muito medo de expressar sua raiva e perder o controle. Tanta defesa... para que? Sua cabeça pesava diante de tantas descobertas então precisava também descansar. O essencial já estava visível: extravasar a raiva no momento que a sentir é toda a diferença que há no mundo.

Um comentário:

Eu não sei dizer nada por dizer,
então eu escuto...
Fala!